sexta-feira, 5 de julho de 2013
quarta-feira, 18 de maio de 2011
REDES SOCIAIS E...: ATUALIDADES - DESMANDOS
REDES SOCIAIS E...: Palocci Continua exercitando a "especialidade"
sexta-feira, 29 de abril de 2011
REDES SOCIAIS E...: A Assembléia do Paraná DESCONTROLADA
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
THE BOOK
XVI
STF abriu processos contra 40 mensaleiros. José Dirceu
foi acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha
Dois anos e três meses após a divulgação da fita em que Maurício Marinho, alto funcionário
dos Correios, pôs no bolso do paletó R$ 3 mil e com o gesto marcou o início do
escândalo do mensalão, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou o julgamento dos 40
políticos e empresários acusados de envolvimento com o esquema de corrupção, na maior
denúncia criminal da história investigada pela corte suprema do País. Em 22 de agosto de
2007, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sustentou a denúncia
no plenário do STF. Para ele, “o mensalão não existiria se não tivesse integrantes do governo”
envolvidos na maracutaia. Referindo-se diretamente ao ex-ministro José Dirceu (PTSP),
afirmou: “É fato público que Dirceu sempre teve e ainda tem grande importância nas
decisões do PT”.
O procurador-geral da República citou José Dirceu e os dirigentes do PT José Genoino,
Delúbio Soares e Sílvio Pereira para dizer que os quatro líderes do partido do presidente da
República “ditavam as diretrizes, tinham o comando do procedimento criminoso”. Para
Souza, “a promiscuidade com o poder é o caldo de cultura perfeito para a viabilidade de
interesses escusos”. O procurador-geral falou em “quadrilha” e “organização criminosa”:
- Os autos revelam de forma incontroversa os repasses, especialmente para parlamentares,
de elevadas quantias em espécie, muitas vezes entregues em hotéis, a beneficiários que
nem conferiam os valores recebidos, dinheiro acondicionado em pastas, sacolas e em envelopes
de grande porte, valores depositados em conta no exterior não declarada, mediante a
utilização de doleiros e de empresa offshore.
Os quatro petistas foram denunciados por agirem no que Souza chamou de “núcleo
central da organização criminosa”, cujo objetivo era buscar apoio político de parlamentares,
pagar dívidas partidárias e arcar com gastos de campanhas eleitorais do PT e de partidos
da base aliada do presidente Lula. Ele qualificou o empresário Marcos Valério como o
“principal artífice do procedimento criminoso”. Lembrou um jantar que reuniu José Dirceu
e Marcos Valério em 2004, como evidência de que os dois mantinham relação próxima. Deu
como exemplo, ainda, um fato que envolveu Simone Vasconcelos, ex-diretora da SMPB,
agência de publicidade de Valério:
- Os autos revelam uma fartura incrível de dinheiro em espécie que transitou por caminhos
tortuosos. Era tanto dinheiro circulando de modo atípico que Simone Vasconcelos, em
determinada oportunidade, teve que pedir um carro-forte para transportar R$ 650 mil para a
sede da empresa em Brasília, onde o montante foi repassado.
O procurador-geral acrescentou:
- Os repasses sempre à margem dos procedimentos bancários mais expedidos e mais
seguros. Tal descrição, que é típica do submundo do crime, revela a rotina vivenciada pelos
denunciados por muito tempo. Ao invés de valer-se dos mecanismos bancários mais ágeis e
seguros, sempre se efetuava repasses de valores em espécie, acondicionados em pastas 007,
em pacotes ou sacos de lona, em locais inadequados, tais como recepção e quartos de hotéis,
bancas de revistas, ou mediante depósitos de contas no exterior, sempre com a máxima
preocupação de impedir a identificação dos destinatários.
Na sustentação da denúncia, a menção ao caso Visanet, esquema por meio do qual dinheiro
público do Banco do Brasil foi repassado a empresas de Marcos Valério e, em seguida,
serviu para irrigar a corrupção:
- Foram recursos privados, oriundos de empresas com interesses patrimoniais escusos
perante o governo, e dinheiro público, como no caso Visanet, as fontes que mantiveram
ativo o ilícito sistema de transferência de recursos para parlamentares, dirigentes partidários
e credores de partidos.
A denúncia foi corroborada por relatórios reservados do Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda), segundo os quais haveria indícios de
operações suspeitas contra 27 dos 40 julgados pelo STF. Segundo reportagem de Andréa
Michael, da Folha de S.Paulo, documentos do Coaf registraram que mensaleiros fizeram
operações financeiras suspeitas para lavar R$ 1,2 bilhão entre 2001 e 2007.
Além disso, o Ministério Público do Distrito Federal propôs cinco ações de improbidade
administrativa por mau uso do dinheiro público contra 35 dos 40 denunciados. Todos responderiam
a processos civis por participação no esquema de compra de apoio político no
Congresso. Entre os acusados estavam José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Silvio
Pereira, Marcos Valério, Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Anderson Adauto (PMDB-MG).
Em outra ação por improbidade administrativa, o Ministério Público do Distrito Federal
decidiu processar o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por enriquecimento ilícito e
violação dos princípios de moralidade na administração pública. Ele foi acusado de ter
recebido R$ 50 mil de Marcos Valério no Banco Rural, dinheiro sacado pela mulher do
parlamentar. Em troca da propina, teria havido a contratação da agência SMPB pela Câmara
dos Deputados, presidida na época por Cunha. A ação implicou também Silvana Paz
Japiassu, assessora do deputado, que teria recebido de Marcos Valério passagens aéreas e
hospedagens para ela e a filha.
Para completar, as supostas dívidas contraídas nos Bancos Rural e BMG para sustentar o
chamado valerioduto, atualizadas em mais de R$ 100 milhões, não haviam sido pagas após
mais de dois anos. Um indício de que não passavam mesmo de “pseudos-empréstimos”,
“empréstimos simulados” ou, em português claro, operações de lavagem de dinheiro para
irrigar o esquema de caixa 2 que teria sido engendrado por lideranças do PT a fim de obter
apoio e maioria no Congresso, favorecendo o governo Lula. Os empréstimos, portanto,
teriam sido forjados e não faria sentido quitá-los.
Em 28 de agosto de 2007, o STF decidiu abrir processos criminais contra todos os 40
acusados pela Procuradoria-Geral da República. José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares
foram acusados por corrupção ativa e formação de quadrilha, ou seja, por oferecer ou
dar vantagens indevidas, e por associação em bando com o objetivo de cometer crimes.
Outros dois ex-ministros de Lula também estavam entre os denunciados. Luiz Gushiken
(PT-SP), da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, por peculato, ou seja,
uso do cargo para fazer apropriação indevida, e Anderson Adauto (na época no PL, atual
PR), do Ministério dos Transportes, por corrupção ativa e lavagem de dinheiro, isto é, ocultar
ou dissimular a origem criminosa de dinheiro ou bens.
Além dos cinco denunciados, mais dez se destacaram entre os demais. São os seguintes:
Marcos Valério, Duda Mendonça, Roberto Jefferson, Silvio Pereira, João Paulo Cunha,
Valdemar Costa Neto, José Janene, José Borba, Paulo Rocha e Henrique Pizzolato. Eis a
relação dos outros 25 nomes: Pedro Corrêa, Pedro Henry, Bispo Rodrigues, João Magno,
Emerson Palmieri, Romeu Queiroz, Jacinto Lamas, João Cláudio Genu, Enivaldo Quadrado,
Breno Fischberg, Carlos Alberto Quaglia, Antonio Lamas, Ramon Hollerbach, Cristiano
Mello Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias, Kátia Rabello, José Roberto
Salgado, Ayanna Tenório, Vinícius Samarane, José Luiz Alves, Anita Leocádia, Professor
Luizinho e Zilmar Fernandes.
Ao defender o processo contra José Dirceu, o ministro Joaquim Barbosa, relator do caso
no STF, afirmou que o ex-ministro “era o mentor e o comandante supremo da trama, em que
outros personagens faziam o papel de meros auxiliares”. Do relator Joaquim Barbosa:
- Está suficientemente demonstrado na denúncia que José Dirceu seria o mentor, o chefe
incontestável do grupo, a pessoa a quem todos os demais prestavam deferência.
José Dirceu, como ministro da Casa Civil, era o principal auxiliar do presidente Lula.
Não há dúvida sobre isso. Mas ele não engendraria um esquema de tamanha complexidade,
com o intuito de corromper parlamentares com dinheiro público, sem a anuência do chefe.
Lula, aliás, foi o grande beneficiário da maioria forjada, que lhe deu apoio e votos no Congresso.
Só Lula poderia ser considerado o “comandante supremo da trama”, ou o “chefe
incontestável do grupo”, como definiu o ministro Joaquim Barbosa.
O STF aceitou investigar uma nova denúncia da Procuradoria-Geral da República,
que não havia sido incluída anteriormente. De acordo com a acusação, dinheiro público
repassado pelo Ministério do Esporte à agência de publicidade SMPB, de Marcos
Valério, acabou na conta bancária de Anita Leocádia Pereira Costa, assessora do
deputado Paulo Rocha (PT-PA).
Funcionou assim: R$ 202 mil do Ministério do Esporte foram depositados em conta da
SMPB no Banco do Brasil, em 16 de dezembro de 2003. Dois dias depois, houve transferência
de R$ 200 mil daquele total para outra conta da SMPB, desta vez no Banco Rural. No
mesmo dia, R$ 146 mil seguiram para uma segunda conta da SMPB, no mesmo Banco
Rural. O destino do dinheiro seria ainda uma terceira conta da agência de publicidade,
naquela agência do Rural. No mesmo 18 de dezembro, Anita Leocádia Pereira Costa sacou
R$ 120 mil do total. Conforme a denúncia, o dinheiro que ficou com a petista era, originalmente,
do Ministério do Esporte.
Também fez parte da denúncia da Procuradoria-Geral da República ao STF a acusação
de Lúcio Bolonha Funaro, operador do mercado financeiro. Ele havia feito um acordo de
delação premiada. Afirmou que, com outros dois doleiros, emprestou R$ 3 milhões ao então
presidente do PL (atual PR), deputado Valdemar Costa Neto (SP). O dinheiro serviria para
cobrir supostos gastos da campanha eleitoral do presidente Lula em 2002.
De acordo com Lúcio Funaro, Valdemar Costa Neto era beneficiário de uma conta secreta
abastecida com dinheiro de propina no banco BCN de Nova York. O doleiro disse que
tomou conhecimento dessa conta em 2002. Quem lhe contou foi Henrique Borenstein,
ex-diretor do BCN, ao procurar dar garantias de que os R$ 3 milhões emprestados a
Valdemar Costa Neto seriam mesmo devolvidos. Havia a conta secreta do BCN. De
Henrique Borenstein:
- Fique tranquilo. Eu administro essa conta e ela tem um saldo de US$ 1,2 milhão. Se
Valdemar não pagar, eu transfiro o dinheiro para você.
Conforme reportagem de Diego Escosteguy, na revista Veja, a conta em Nova York foi
abastecida pelo pai de Valdemar, o ex-prefeito de Mogi das Cruzes (SP) Waldemar Costa
Filho. Ele contraíra empréstimos do BCN para os cofres da administração municipal, no
começo dos anos 90, a juros “muito acima” dos praticados no mercado. Da reportagem
publicada em 29 de maio de 2009: “O pagamento pela camaradagem do prefeito, ou seja, a
propina, era depositado na conta aberta por Borenstein em Nova York, cujo beneficiário era
o filho, o deputado Valdemar Neto”.
Em três depoimentos prestados entre novembro de 2005 e março de 2006, Lúcio Funaro
disse ainda que José Dirceu poderia ter recebido R$ 500 mil de fundos de pensão. Trecho
do depoimento:
“Que tem conhecimento de que o diretor-presidente e o diretor financeiro da Portus
foram indicados por Dirceu; que essa transação envolveu um pagamento ‘por fora’, que não
sabe se destinado ao próprio deputado ou ao PT, da ordem de R$ 500 mil.”
O doleiro acusou o deputado José Mentor (PT-SP) de receber propina para livrar suspeitos
que deveriam ser investigados pela CPI do Banestado, da qual José Mentor foi relator,
em 2004. Funaro admitiu ter sido sócio oculto da empresa de fachada Guaranhuns, acusada
de repassar dinheiro do mensalão.
Três meses após o início do julgamento do mensalão pelo STF, o procurador-geral anunciou
novas provas baseadas em perícias do Instituto de Criminalística, da Polícia Federal.
De acordo com Antonio Fernando de Souza, foi possível rastrear dinheiro público do Banco
do Brasil, de forma a comprovar o uso de recursos do fundo Visanet no esquema de corrupção.
A denúncia criminal havia sido feita com base no depoimento de testemunhas. Com a
conclusão dos trabalhos de perícia, ficou registrada a “dança” de R$ 73,8 milhões do
Banco do Brasil para as agências de publicidade DNA e SMPB, de Marcos Valério, a
partir da suposta determinação do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência
da República, Luiz Gushiken (PT-SP). Depois disso, o mesmo dinheiro público
teria abastecido o valerioduto.
Conforme o laudo do Instituto de Criminalística, a DNA se apropriou indevidamente de
pelo menos R$ 39,5 milhões do Banco do Brasil. O dinheiro lastreou empréstimos que
engordaram o caixa 2 do PT. Os peritos fizeram uma varredura em números de contas
bancárias, valores envolvidos, datas e locais das retiradas. Os R$ 39,5 milhões incluíram
lucros em aplicações financeiras feitas com dinheiro antecipado pelo Banco do Brasil, serviços
devidamente quitados sem que houvesse comprovação da execução dos trabalhos e
honorários considerados exagerados.
Entre as operações irregulares, a DNA embolsou R$ 5,3 milhões ao obter deságios com
fornecedores, desconto que deveria ter sido devolvido ao cliente. A autorização formal para
depositar R$ 73,8 milhões da Visanet na conta da DNA foi dada pelo então diretor de
Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Anteriormente, os valores eram destinados
direta e individualmente aos fornecedores.
Após o acolhimento da denúncia pelo STF, todos os mensaleiros, um a um, depuseram
sob orientação de advogados dos mais bem pagos do País. Trataram de refutar as acusações
e desqualificar a denúncia do procurador-geral da República. Nada de ilegal teriam
cometido. Todos – garantiram e reiteraram – não tinham envolvimento com quaisquer
fatos que os desabonassem. Negaram todas as evidências. Admitiram tão somente o uso
de dinheiro de caixa 2, e para pagar despesas de campanha eleitoral. Um crime menor.
Articulados, advogados de defesa evitaram fazer perguntas que pudessem prejudicar os
outros réus. Ao contrário. Trataram de se reunir constantemente e interpelar os denunciados
de forma a ajudar uns aos outros.
O depoimento do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), cassado na esteira do escândalo
do mensalão, foi exceção. Ele afirmou ter negociado com o PT o pagamento de serviços
advocatícios para o então deputado Ronivon Santiago (PP-AC), em troca de apoio parlamentar
ao governo Lula. O dinheiro teria sido pago em três parcelas, sendo duas de R$
300 mil, em agência do Banco Rural em Brasília, e outra de R$ 100 mil, entregue em
hotel da capital federal.
Deu-se bem Silvio Pereira, o ex-secretário-geral do PT que durante os bons tempos do
mensalão ganhou de presente um jipe Land Rover de empresa fornecedora da Petrobras. Ele
fez acordo com a Procuradoria-Geral da República para suspender o processo que seria
obrigado a responder. A punição de “Silvinho”: durante três anos, teria de prestar 750 horas
de serviços comunitários à Prefeitura de São Paulo. Além disso, o ex-secretário-geral se
comprometeu a comparecer periodicamente à Justiça e a comunicar previamente qualquer
viagem longa que pretendesse fazer.
Silvinho se disse “aliviado” com o que conseguiu. Ao aceitar a punição dos trabalhos
comunitários, contudo, admitiu ter cometido práticas delituosas e pôs em situação constrangedora
os outros acusados, companheiros seus, que respondiam por crimes mais graves e
não puderam se beneficiar do acordo que o livrou de uma condenação mais rigorosa.
No governo Lula, Silvinho foi responsável pela distribuição de cargos de segundo escalão.
Como se sabe, as posições na máquina administrativa não valiam pelos salários que
representavam, mas sim pelo poder que seus ocupantes desfrutavam ao usar o emprego
público para enriquecer, fraudando licitações, contratos e desviando os recursos que deveriam
servir para atender as necessidades do povo e do País. Afinal, o dinheiro que sustenta as
máquinas públicas vem de impostos arrecadados da população.
Apesar dos serviços comunitários, Silvinho usufruiu o segundo mandato de Lula. Em
2007, Júlio César dos Santos, dono da TGS Consultoria e sócio do onipresente José Dirceu,
subcontratou a DNP Eventos, empresa registrada em nome da mulher de Silvinho, Deborah
Neistein, e do irmão dele, Ademir Pereira. Aparentemente, a empresa era dirigida mesmo
por Silvinho e deveria organizar um evento cultural no Espírito Santo. A TGS, por sua vez,
havia sido contratada sem licitação pela Petrobras. A prestação de serviços rendeu R$ 55
mil à DNP. Sempre a Petrobras na vida de Silvinho.
Em 2008, Silvinho estaria construindo uma pousada em Ilha Bela, praia do litoral norte
de São Paulo. Lá, foi visto com frequência desfilando num novo automóvel. Não um Land
Rover, como o que provocara o escândalo em 2005, mas um autêntico Toyota Fielder,
avaliado em R$ 65 mil.
Outro personagem que “brilhou” na era Lula, o publicitário Duda Mendonça. Ao depor no
processo do mensalão, em janeiro de 2008, disse desconhecer a origem dos R$ 10,5 milhões
repassados a ele por Marcos Valério, numa empresa offshore, em pagamento por serviços
prestados em campanhas eleitorais, entre as quais a que elegeu o presidente Lula em 2002.
Em seu depoimento, Duda Mendonça admitiu o não-pagamento de impostos e informou
ter quitado multa referente à sonegação, no valor de R$ 4,3 milhões. Apesar da acusação de
lavagem de dinheiro, o publicitário continuou prestando serviços à Petrobras no segundo
mandato de Lula, dentro de um contrato de R$ 250 milhões. Duda Mendonça também teria
expandido negócios agropecuários em propriedade rural no sul do Pará.
Ao depor à CPI dos Correios, em 2005, o diretor de Marketing do Banco do Brasil,
Henrique Pizzolato, afirmou ter recebido ordem do então ministro da Secretaria de Comunicação
da Presidência da República, Luiz Gushiken (PT-SP), para repassar recursos de
publicidade do fundo Visanet a empresa de Marcos Valério. O dinheiro, como se sabe,
acabaria no PT e financiaria atividades de caixa 2 do partido do presidente da República.
Ao depor à Justiça no processo do mensalão, acusado de corrupção passiva, Henrique
Pizzolato voltou atrás e livrou o ex-ministro Luiz Gushiken de qualquer responsabilidade.
Em fevereiro de 2008 justificou a reviravolta ao alegar que, na época da CPI, “estava sob
ameaça de que iam me prender. Não tive condições de raciocinar. Fui coagido, ameaçado e
humilhado”. É mesmo?
Henrique Pizzolato teve dificuldades ao explicar à Justiça o episódio em que mandou o
officeboy Luiz Eduardo Ferreira pegar envelope com R$ 326 mil em agência do Banco
Rural no Rio de Janeiro. Ele estava atendendo, segundo ele mesmo, a um pedido de uma
secretária de Marcos Valério, a quem não conhecia. Tampouco conhecia o conteúdo do
envelope, o qual Marcos Valério desejava que chegasse às mãos do PT. Segundo Pizzolato,
ele simplesmente deixou o envelope com os “documentos” para “pessoa do PT”, na portaria
do prédio em que residia. Obviamente não revelou o nome do recebedor.
O incrível da história é que, após pôr as mãos no envelope com R$ 326 mil, em janeiro
de 2004, o então diretor do Banco do Brasil comprou um apartamento em Copacabana, na
badalada zona sul do Rio, por R$ 400 mil. Aqui, Pizzolato se contradisse: depois de garantir
ter quitado o imóvel com pagamento em cheque, acabou por confessar a entrega de R$ 100
mil em dinheiro vivo. Mas a vida não deixou de sorrir para Pizzolato: aposentado pelo
Banco do Brasil com R$ 13 mil mensais, continuava morando no mesmo e bem situado
apartamento em Copacabana.
Luiz Gushiken também se deu bem. Apesar de denunciado por peculato e acusado pelo
desvio de recursos de contratos de publicidade do Governo Federal para empresas de Marcos
Valério que irrigaram o caixa 2 do PT, o ex-ministro, um dos auxiliares mais próximos
de Lula, abriu uma empresa de consultoria em 2007. E voltou a morar numa chácara no
interior de São Paulo.
O único revés do ex-ministro teria sido a decisão do TCU (Tribunal de Contas da União)
de aplicar-lhe multa de R$ 30 mil. Mesmo assim, Gushiken iria recorrer. De acordo com o
levantamento do TCU, em sua gestão houve contratos de publicidade com orçamentos forjados
e falta de controle sobre a veiculação de anúncios federais. Uma auditoria apuraria
supostos prejuízos de R$ 9 milhões com serviços de publicidade não-prestados ou
superfaturados. A maracutaia envolveria, entre outros, o publicitário Duda Mendonça.
Os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP, ex-PL) e Paulo Rocha (PT-PA) definitivamente
não tiveram do que reclamar. Com medo de cassação depois de acusados de
envolvimento com o mensalão, renunciaram aos mandatos, ainda em 2005, para se
candidatarem no ano seguinte. Reeleitos, os dois tiveram os processos por decoro parlamentar
arquivados pelo Conselho de Ética da Câmara. A medida também beneficiou o deputado
João Magalhães (PMDB-MG), que fora envolvido com a máfia das ambulâncias.
Note-se que tanto Valdemar Costa Neto quanto Paulo Rocha foram denunciados pelo
procurador-geral da República por fazer parte de organização criminosa e, por isso, passaram
a ser investigados pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O primeiro sofreu a acusação
de receber R$ 6,5 milhões do valerioduto. O segundo, teria posto as mãos em R$ 920 mil.
Interessante o adendo ao relatório que livrou os mensaleiros, de autoria do deputado
José Eduardo Cardozo (PT-SP), segundo o qual parlamentares não devem ser investigados
pelo Conselho de Ética por fatos ocorridos em legislaturas passadas, exceto se acusados
após as eleições ou se surgirem fatos novos na denúncia. Ou seja: a investigação de
deputados que renunciaram seria uma afronta à vontade dos eleitores, não importando se
os senhores parlamentares abriram mão dos mandatos aproveitando brecha na legislação
para fugir da cassação, nem se usaram o dinheiro supostamente desviado a fim de comprar
os votos necessários para garantir os novos mandatos. Para constar: o patrimônio de
Paulo Rocha teria subido 1.248% entre os anos de 2002 e 2006, isto é, ainda no primeiro
mandato do presidente Lula.
Cabe ressaltar, ainda, o paradeiro de dois mensaleiros, estrelas de primeira grandeza em
razão dos cargos ocupados. José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP), respectivamente
presidente nacional do partido e presidente da Câmara dos Deputados, no primeiro
governo Lula. Ambos voltaram a Brasília em 2007, protegidos por mandatos de deputado
federal. Se antes eram participantes e eloquentes, passaram a se “esconder” no fundo do
plenário, como se o tempo fosse capaz de apagar a mácula do escândalo do mensalão.
Agora Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT, para quem as investigações do mensalão
dariam em nada e seriam, no futuro, motivo de “piada de salão”. Apesar de receber
como professor da rede pública de Goiás durante sete anos, sem trabalhar, Delúbio
Soares ainda mantinha o direito de lecionar, mais de dois anos após a descoberta do
“fantasma”. Ele não fora desligado do cargo, apesar de já condenado a restituir R$ 164
mil recebidos indevidamente.
Em Buriti Alegre (GO), conforme descreveu o repórter Hudson Corrêa, na Folha de
S.Paulo, Delúbio Soares era uma celebridade. Em 15 de agosto de 2007, por exemplo, ele
subiu no palanque com o governador Alcides Rodrigues Filho (PP) para inaugurar um frigorífico.
Depois, Delúbio Soares acompanhou o governador ao aeroporto local, num auto397
móvel Vectra registrado em nome do irmão do ex-tesoureiro, o vereador de Goiânia Carlos
Soares (PT). Detalhe: um outro veículo escoltava o carro de Delúbio, com dois homens.
Para dar segurança ao ex-tesoureiro.
Em 23 de janeiro de 2008, Marcos Valério, enigmático, encaminhou quatro questões a
Delúbio Soares, que depunha à Justiça no processo do mensalão. Vale a pena: 1) O interrogando
participou de alguma reunião nos anos 2003 a 2005 com Antonio Palocci? Para tratar
de qual assunto? 2) Se encontrou alguma vez Marcos Valério fora do Brasil? 3) Se encontrou
alguma vez com alguma autoridade chinesa? 4) Frequentou a Granja do Torto, em
Brasília? Em caso afirmativo, em companhia de quem?
Não se sabe o que Marcos Valério pretendia. Pareceu ser uma ameaça velada ao PT,
inclusive a Lula, como quem diz “façam o que estou pedindo”. Não há notícias se obteve
êxito. É provável que sim, tanto que não voltou mais ao assunto. Ao contrário. Seu depoimento
à Justiça tratou de refutar todas as evidências que existiam contra ele e contra outros
personagens do mensalão. Confirmou-se, por outro lado, que Marcos Valério se encontrou
com petistas, depois de espernear. Quanto a Delúbio Soares, manteve-se frio. Característica
dele. Não respondeu a provocação de Marcos Valério. Pelo menos em público.
Em seu depoimento, o ex-tesoureiro agradeceu Marcos Valério pelos empréstimos
que abasteceram os cofres do PT nos anos de 2003 e 2004, o que teria permitido a ele
cobrir dívidas e despesas do partido. Por outro lado, Delúbio Soares disse não ter tomado
decisões sozinho, e que o comando do PT sabia do rombo nas finanças do partido.
Nas palavras do ex-tesoureiro:
- Fizemos uma reunião no Partido dos Trabalhadores, com todos os Estados, agora estou
me lembrando, quase R$ 26 milhões era a dívida dos diretórios regionais. E eu apresentei
esse problema à executiva. A executiva: “Encontra uma solução”.
Da reunião teriam participado, conforme Delúbio Soares, o senador Aloizio Mercadante
(SP), o deputado Jorge Bittar (RJ), a então prefeita Marta Suplicy (SP), o presidente da
legenda, José Genoino (SP), e os dirigentes partidários Silvio Pereira, Valter Pomar,
Romênio Pereira e Joaquim Soriano. A solução encontrada por Delúbio Soares, soube-se
depois, foi o valerioduto.
Bode expiatório, Delúbio Soares acabou sendo o único expulso do PT por conta do
escândalo do mensalão. Silvio Pereira solicitou a própria desfiliação, e José Genoino e
Marcelo Sereno, secretário de Comunicação, renunciaram aos cargos. Mas Delúbio Soares
não se deu mal. Como celebridade, o velho amigo de Lula dos tempos de sindicalismo
andava para cima e para baixo em São Paulo. Quando não estava na capital paulista, passava
a maior parte do tempo na fazenda de Buriti Alegre, registrada em nome do pai. Em
Goiânia, o ex-tesoureiro passou a se apresentar como consultor de empresas. Lá teria aberto
uma agência de publicidade, para vender anúncios na internet.
Daqueles que perderam o emprego em decorrência do escândalo do mensalão, o exministro
José Dirceu parece ter sido quem mais demonstrou competência para se adaptar à
condição de consultor de empresas. Segundo a revista Veja, o capitão do time de Lula, fora
do governo, embolsava até R$ 150 mil por mês em consultorias, circulava em carro com
motorista e frequentava os melhores restaurantes, onde era visto com charutos cubanos.
José Dirceu comemorou com festa o lançamento de seu site na internet, implantou fios
de cabelo para melhorar o visual e teria comprado uma casa para a mãe, no interior de
Minas Gerais. Sócio de um escritório de advocacia, tocava uma empresa de consultoria,
mas a maior parte do tempo viajava para a Europa, Estados Unidos, Canadá e vários países
da América Latina, sem contar os numerosos percursos dentro do Brasil.
O ex-ministro Dirceu tinha para descansar o belo sobrado em Vinhedo (SP), dentro de
condomínio fechado. Ali ocorreu talvez a única dor de cabeça do ex-deputado, além do
constrangimento de ter de reconhecer, em depoimento à Justiça, que se reuniu com Marcos
Valério e diretores dos bancos Rural e BMG no Ministério da Casa Civil. Quatro meses
após deixar o governo, ladrões arrombaram a casa de Vinhedo e levaram aparelho televisor
de plasma, charutos, chocolates e um tapete vermelho.
Como José Dirceu, Marcos Valério também virou consultor de empresas e fez implante
de cabelo para mudar a aparência. Apesar de ter ficado com os bens bloqueados pela Justiça,
o empresário reformou sua mansão no bairro de Castelo, em Belo Horizonte, e arrendou
uma fazenda no interior de Minas Gerais, a fim de criar cavalos de raça. Manteve também a
mansão em Brumadinho, região metropolitana da capital mineira, e atendia clientes no elegante
escritório do bairro de Savassi, na zona sul de Belo Horizonte. No lugar das malfadadas
agências de publicidade SMPB e DNA, Marcos Valério comandava a nova agência
Bárbara Comunicação. Vida nova.
Um dos pivôs do escândalo do mensalão, denunciado por formação de quadrilha,
corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Marcos Valério seguia
confiante de que se livraria das acusações de envolvimento com operações de crédito milionárias,
supostamente forjadas para justificar a movimentação de caixa 2 do PT. Ao depor à
Justiça Federal, em fevereiro de 2008, disse que o então ministro José Dirceu sabia dos
empréstimos tomados pela SMPB junto aos bancos Rural e BMG, embora tivesse tratado do
assunto apenas com o “amigo” Delúbio Soares e o secretário-geral do PT, Silvio Pereira.
Como o lendário Al Capone, os maiores apuros de Marcos Valério pareciam girar em
órbita dos problemas com o Imposto de Renda. Em junho de 2007, a Justiça Federal instaurou
ação penal por sonegação de R$ 54,7 milhões de tributos da agência de publicidade
DNA, entre 1999 e 2002. Conforme o Ministério Público, Marcos Valério e seus sócios
lesaram o Fisco com a “simulação do furto de um veículo que, segundo os réus, transportava
documentação exigida pela Receita durante autuações que tinham o objetivo de apurar a
real movimentação financeira da empresa”.
Para se livrar de uma condenação de dois anos e 11 meses por crime contra a ordem
tributária, Marcos Valério pagou R$ 6,8 milhões ao INSS (Instituto Nacional de Seguro
Social) em maio de 2006. De acordo com o Ministério Público, a fraude ocorrera no
pagamento de funcionários da DNA, entre 1996 e 1999. Alguns receberam salários por
fora da folha de pagamento, enquanto outros ganharam mais do que o declarado na
contabilidade da empresa.
Em maio de 2008, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou Marcos Valério por
falsidade ideológica e por comprar notas fiscais frias para a agência SMPB nos anos de
2002 e 2003. O empresário pagaria entre 3% e 4% do valor de cada nota falsa emitida.
Condenado a um ano de prisão em regime aberto, teve a pena convertida em multa de dois
salários mínimos somada à prestação de serviços comunitários por dois anos.
Dois meses depois, a 9ª Vara Criminal da Justiça Federal de Belo Horizonte recebia
denúncia do Ministério Federal. Marcos Valério e a mulher, Renilda Santiago, passariam a
responder, com outros ex-sócios da SMPB, por crimes de sonegação tributária, falsificação
de documentos públicos, uso de documentos falsos e formação de quadrilha. Os réus teriam
sonegado pelo menos R$ 90 milhões em impostos, entre 2003 e 2004.
Foram detectadas fraudes na movimentação bancária da agência SMPB junto a várias
instituições financeiras. Conforme a acusação, recursos vultosos saíram e entraram nas contas
da empresa, lançados, na maioria dos casos, como empréstimos para o PT. Ao mesmo
tempo, valores incorretos sobre as operações eram registrados na contabilidade da SMPB.
A agência de publicidade não teria recolhido vários impostos.
Em novembro de 2008, o Ministério Público Federal em Belo Horizonte denunciou Marcos
Valério e outras 26 pessoas, incluindo dirigentes e ex-diretores do Banco Rural, por
crimes ligados ao chamado mensalão mineiro. O esquema de caixa 2 teria desviado pelo
menos R$ 3,5 milhões de recursos públicos para a campanha de reeleição do governador
Eduardo Azeredo (PSDB-MG) em 1998. Entre os acusados estava João Heraldo Lima, que
ocupava o cargo de secretário da Fazenda de Eduardo Azeredo na época do mensalão mineiro.
Ele havia se tornado presidente do Banco Rural. Também foi denunciado Rogério
Tolentino, sócio de Marcos Valério. Em 1998, Rogério Tolentino era juiz eleitoral em Minas
Gerais. Teria recebido R$ 300 mil para favorecer Eduardo Azeredo nas eleições.
Da mesma forma que José Dirceu, pouco se soube das atividades de Marcos Valério
como consultor de empresas depois do escândalo do mensalão. Um dos “trabalhos” do
empresário, porém, veio à tona em 10 de outubro de 2008. Deu o que falar. Naquele dia
foram presos Marcos Valério, o sócio Rogério Tolentino, policiais federais e advogados,
durante a Operação Avalanche da Polícia Federal. A acusação: forjar um inquérito policial
contra dois fiscais da Fazenda paulista, responsáveis por multar em R$ 104,5 milhões a
empresa Praiamar, do empresário Walter Faria. A Praiamar fazia parte grupo Petrópolis,
detentor da marca de cerveja Itaipava.
O falso inquérito tinha a finalidade de intimidar e constranger os fiscais. Familiares
deles seriam interrogados e desmoralizados, e com isso se esperava forçar a anulação da
multa por fraude fiscal no comércio de cerveja. Marcos Valério teria contratado dois advogados
que, associados a três investigadores de polícia, teriam levantado informações pessoais
sobre os fiscais. Com base nos dados obtidos, encomendaram o inquérito policial a dois
delegados federais. Valério teria armado tudo na condição de conselheiro da Praiamar.
A Justiça Federal de Santos, no litoral sul de São Paulo, aceitou acusação do Ministério
Público Federal contra Marcos Valério. Ele passou a responder por formação de quadrilha,
corrupção ativa e denunciação caluniosa. Teria havido uma trama para provocar um acidente
automobilístico com a finalidade de ferir um dos fiscais da Fazenda que multaram a
cervejaria. Walter Faria, dono da Petrópolis, também virou réu. De acordo com a Polícia
Federal, ele ofereceu R$ 3 milhões pela abertura do falso inquérito e o vazamento da história
para a imprensa. Se os fiscais fossem presos, pagaria R$ 5 milhões.
XVII
Dois anos depois, Polícia Federal desmantelou
outra organização criminosa nos Correios
Apesar de a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) ter sido a ponta do
novelo do maior esquema de corrupção da administração federal do PT, Lula deixou a coisa
correr solta. Lavou as mãos. Em 2005, no calor do escândalo, ainda demitiram três funcionários,
incluindo Maurício Marinho, o chefe de Contratação e Administração de Material,
afastado após gravação clandestina mostrá-lo recebendo propina. Remanejaram outros 20
servidores, todos ocupantes de cargos de chefia na época. Note-se bem: eles foram transferidos
de função, mas mantidos na empresa. E as “cartas do jogo”, antes divididas entre
PMDB, PT e PTB se concentrariam no segundo mandato de Lula no partido do ministro das
Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), cuja legenda se tornara a principal base de apoio
do governo. Deu no que deu.
Dois anos após o escândalo do mensalão, a Polícia Federal e o Ministério Público desencadearam
a Operação Selo. Era agosto de 2007. Prenderam uma quadrilha especializada em
fraudar licitações, vender produtos e fornecer serviços para os Correios. A ironia é que entre os
cinco presos estava o empresário Arthur Wascheck Neto, apontado como o responsável por
encomendar a gravação das imagens de Maurício Marinho em 2005. Este o contrariara e a
filmagem teria sido uma vingança. De qualquer forma, Arthur Wascheck Neto continuaria na
ativa, operando dentro dos Correios. Para o delegado federal Daniel França, a corrupção nos
Correios se assemelhava a um câncer, que ressurgia por metástase. Declaração do delegado:
- Como os traficantes fazem no morro, quando são mortos ou presos, acontece o mesmo
no serviço público. Uma quadrilha sai e entra outra para praticar os mesmos atos
ilícitos no seu lugar.
Por orientação de Lula, o PMDB indicara toda a nova linha de comando dos Correios.
Do presidente Carlos Henrique Custódio aos principais dirigentes da empresa, todos eram
padrinhos de Hélio Costa (PMDB-MG), José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDBAL),
Ney Suassuna (PMDB-PB) e Romero Jucá (PMDB-RR), o líder do governo no Senado.
As investigações apontaram a existência de uma tabela da propina, quitada com dinheiro,
empregos, passagens, mimos e outras vantagens. As máfias incrustadas nos Correios
englobariam cerca de 20 empresas.
A história do empresário Arthur Wascheck Neto vinha de longe. No governo do presidente
Fernando Collor de Mello (1990-1992) ele foi envolvido com uma compra
superfaturada de bicicletas. O escândalo ajudou a derrubar o então ministro da Saúde, Alceni
Guerra. Com o tempo, Arthur Wascheck Neto concentraria suas ações nos Correios. Preso,
foi acusado de ser lobista e intermediador junto ao grupo de empresários denunciado por
fraudar licitações. A quadrilha corromperia funcionários para vender produtos com
especificações abaixo do previsto em editais e, portanto, repassaria bens de qualidade inferior.
Assim, podia oferecer preços menores. Venceu licitações para entregar cofres, geladeiras,
tênis, botas, capas de chuva e guarda-chuvas.
Em consequência da Operação Selo, perdeu o cargo o diretor de Operações dos Correios,
Carlos Roberto Samartini Dias. Foi afastado, apenas. Não houve anúncio de sua demissão.
Ele manteria ligações com o empresário Marco Antonio Bulhões, preso pela Polícia
Federal. Para o procurador Bruno Acioli, Arthur Wascheck Neto era um “símbolo, subproduto
da corrupção e da impunidade que imperam no País”. Do procurador Bruno Acioli, que
estimou prejuízos em milhões de reais para a estatal federal:
- Ele lesa, frauda, chantageia e corrompe há anos, sem que nada aconteça.
Um dos casos que mais chamou a atenção foi o do transporte de cargas pelo correio
aéreo noturno. Em novembro de 2007, a Justiça Federal determinou a indisponibilidade de
aeronaves, imóveis e veículos das empresas Skymaster Airlines e Beta (Brazilian Express
Transportes Aéreos), acusadas de fraudar licitação e desviar R$ 413 milhões dos Correios.
Ambas agiriam em conluio para controlar contratos de prestação de serviços.
Sete meses antes, porém, o TCU (Tribunal de Contas da União) já havia determinado aos
Correios a suspensão da licitação para o correio aéreo noturno. Considerou viciadas as
regras do certame e não viu motivo para “contratação emergencial”, com reajuste de 61% e
valores despendidos que passariam dos R$ 82,5 milhões e atingiriam R$ 132,7 milhões. Os
esforços da CPI dos Correios para apurar irregularidades quase não adiantaram nada.
Em janeiro de 2008, quase três anos depois das primeiras notícias acerca do esquema
de corrupção nos Correios, a Polícia Federal apresentou um relatório de 130 páginas
sobre o caso. O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) foi denunciado por formação
de quadrilha, acusado de realizar um “verdadeiro loteamento” da empresa federal,
com vistas a operar o que se descreveu como “fábricas de dinheiro”. As empresas
contratadas pelos Correios teriam de destinar de 3% a 5% de tudo o que recebiam para
engordar os cofres do PTB.
Computador apreendido com dirigente do partido mostrou detalhes da contabilidade da
propina, incluindo nomes de empresas, valores de contratos, funcionários responsáveis pela
cobrança de propina, frequência de pagamentos e porcentuais acertados e encaminhados ao
PTB. Licitações dirigidas, compras supérfluas, empresas agindo em conluio e
superfaturamento de produtos e serviços permearam contratos da ordem de R$ 8 bilhões.
Do relatório da Polícia Federal:
“As solicitações de contribuições aos fornecedores da ECT por parte dos empregados
dos Correios, membros da quadrilha, eram explícitas e algumas vezes chegavam à beira da
extorsão. Além da entrega de dinheiro em troca de informações e de benefícios indevidos
nos procedimentos administrativos de licitação, nas prorrogações de contratos, na repactuação
de preços, os fornecedores da ECT também contribuíam diretamente para o partido nas
campanhas eleitorais.”
O relatório também apontou para o PT. O ex-diretor de Tecnologia dos Correios, Eduardo
Medeiros, indicado para o cargo com o beneplácito da dupla José Dirceu/Silvio Pereira,
teria favorecido a empresa Novadata, de Mauro Dutra, o “Maurinho”, amigo de Lula. A
Novadata teria obtido reajuste inexplicável no valor de um de seus contratos, além de ter
vencido uma licitação com critérios supostamente irregulares. A empresa teria sido poupada
de pagar multas por atrasos na execução de serviços. Do relatório:
“Apesar de ainda não ter sido cabalmente provado, Mauro Dutra é suspeito de ter feito
acertos com servidores de pelo menos duas áreas dos Correios para vencer uma licitação e,
também, para obter reajuste de R$ 5,5 milhões no valor de um contrato”. O inquérito da
Polícia Federal acrescentou:
“Ao longo dos anos vem ocorrendo, tanto nos Correios quanto em outras empresas estatais
do País, uma espécie de ‘loteamento’ dos cargos em comissão a pessoas dos mais diversos
matizes políticos que se alternam no poder. Através desse instrumento censurável, busca-
se angariar recursos financeiros junto às empresas privadas fornecedoras de serviços e
produtos ao aparelho estatal, em compensação aos ajustes escusos realizados pelos gestores
de tais empresas. Esses recursos, geralmente provenientes de ‘caixa 2’, são, em parte, destinados
aos partidos políticos infiltrados nas empresas públicas à custa da dilapidação do
erário levada a cabo por meio de fraudes de toda ordem realizadas em licitações.”
No arquivo de computador de Fernando Godoy, assessor de Antonio Osório Batista,
diretor de Administração dos Correios, os federais encontraram uma planilha que registrava
compra superfaturada de 1 mil furgões da marca Fiat. Cada veículo teria sido adquirido por
R$ 34 mil, enquanto o preço de mercado era de R$ 27,5 mil. Além disso, a planilha indicava
propina de R$ 1 mil por automóvel, totalizando R$ 1 milhão, do qual R$ 50 mil teriam sido
destinados ao PTB. Tanto Antonio Osório Batista como Fernando Godoy foram indicados
para ocupar postos estratégicos nos Correios por Roberto Jefferson.
Pode-se dizer que Jefferson era um símbolo da política brasileira. Acusado em diversos
escândalos e falcatruas, manteve o cargo de presidente nacional do PTB. O partido, por sua
vez, fez parte da base de apoio político do governo Lula, em seus dois mandatos. Em setembro
de 2008, o Ministério Público Federal no Distrito Federal denunciou Jefferson e mais
sete servidores dos Correios à Justiça, incluindo Antonio Osório Batista e Maurício Marinho,
por formação de quadrilha e “prática de corrupção generalizada”.
Para os procuradores da República Bruno Acioli, Raquel Branquinho e José Alfredo de
Paula, os Correios foram “vítima da ação organizada de quadrilhas compostas basicamente
por empregados públicos, políticos, empresários e lobistas”. O grupo teria recebido R$ 5
milhões de propina em pouco mais de dois anos de governo Lula. Quanto a Roberto Jefferson,
era o responsável por monitorar o desempenho de correligionários do PTB na estatal. “Um
gênio do crime”, na definição de Bruno Acioli. Sob comando de Jefferson, os petebistas
tinham a missão de arrecadar fundos para o partido.
Os desvios de recursos nos Correios ocorreriam há mais de uma década e, portanto,
viriam do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP). O grupo de Roberto
Jefferson teria herdado o esquema. De acordo com a denúncia, Jefferson, líder da quadrilha,
“repassava demandas financeiras e, assessorado pelo denunciado Roberto Garcia Salmeron,
monitorava o desempenho do denunciado Antonio Osório em sua missão de arrecadar fundos
para o PTB”. Roberto Garcia Salmeron, amigo do presidente do PTB, trabalhou durante
anos nos Correios e, conforme a denúncia, seria uma espécie de consultor para desvios de
recursos de contratos da estatal.
Ao depor como réu no processo do mensalão, em fevereiro de 2008, Roberto Jefferson
admitiu ter recebido R$ 5 milhões do caixa 2 do PT, em troca do apoio parlamentar do PTB
ao governo Lula. Segundo ele, R$ 1 milhão pagaram a produção de comerciais de televisão
do partido em 2003, e R$ 4 milhões serviram para quitar despesas da campanha
petebista nas eleições municipais de 2004. O prefeito de Juiz de Fora (MG), Carlos Alberto
Bejani (PTB), teria sido um dos agraciados, com R$ 750 mil. Ele também foi apoiado
pelo PT. Em 2008, renunciou em meio a um escândalo de corrupção. De acordo com o
relato de Roberto Jefferson, o PTB também recebeu, do governo Lula, o Ministério do
Turismo, a presidência da Eletronorte, uma diretoria dos Correios e a presidência do IRB
(Instituto de Resseguros do Brasil).
A propósito de Mauro Dutra, o Maurinho. Além da Novadata, supostamente metida nas
tramoias que ocorreram nos Correios, o empresário dirigiria a ONG Ágora, que durante
quase quatro anos foi investigada pelo Ministério Público do Distrito Federal. Criada para
organizar e dar cursos de capacitação a trabalhadores, a Ágora foi acusada de desviar R$
900 mil do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). O valor fora corrigido para R$ 1,8
milhão em abril de 2008, quando da condenação do amigo de Lula. Cabia recurso.
No final de outubro de 2008, a Polícia Federal pôs em ação a Operação Déjà Vu, para
desmantelar um suposto esquema fraudulento em licitações e na venda e transferência de
agências franqueadas dos Correios, com o envolvimento de funcionários da estatal. A
maracutaia representaria rombo de R$ 30 milhões por ano. Os federais prenderam 15 suspeitos,
acusados de crimes de extorsão, tráfico de influência, corrupção ativa, corrupção
passiva, advocacia administrativa, formação de quadrilha, falsidade ideológica e descaminho.
Apreenderam R$ 500 mil em dinheiro, cinco automóveis de luxo e vários computadores. A
Polícia Federal agiu em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Distrito Federal. Havia indícios de crimes em franquias, que serviriam para a remessa de
mercadorias ao exterior.
A CPI dos Correios chegou a propor 21 projetos de lei para prevenir e combater a
corrupção, com o intuito de eliminar mecanismos usados para desviar dinheiro público.
Previam programas nacionais que estimulassem denúncias sobre fraudes, projetos com objetivo
de reduzir o número de cargos políticos nos governos, leis contra a improbidade
administrativa, propostas para alterar e dar mais rigor aos contratos de publicidade e fiscalizar
fundos de pensão, movimentações atípicas de dinheiro e operações financeiras internacionais.
Nada foi adiante.
Pior: um grupo de dez empresas investigadas pela Polícia Federal, com executivos
indiciados e até presos, conseguiu manter contratos com o governo Lula. A União destinou
R$ 514 milhões a essas empresas entre janeiro de 2005 e abril de 2007, conforme o relato do
repórter Rubens Valente, na Folha de S.Paulo. Apenas cinco dessas empresas receberam a
bagatela de R$ 396 milhões no período, a maior parte dos recursos proveniente do Ministério
da Saúde. O então ministro Humberto Costa (PT-PE), aliás, chegou a ser indiciado pela
Polícia Federal, durante as investigações da Operação Vampiro sobre fraudes em compras
de hemoderivados, em 2004.
Outro caso intrigante foi o da Operação Sentinela, desencadeada pela Polícia Federal no
mesmo ano de 2004. Cinco empresas de vigilância foram acusadas de fraudar contratos.
Uma delas era a Confederal, cujo proprietário havia sido o ex-ministro das Comunicações,
Eunício Oliveira (PMDB-CE). As cinco empresas receberam R$ 118 milhões de órgãos
federais, entre janeiro de 2005 e abril de 2007, ou seja, após a ação dos federais. Detalhe: as
injeções de dinheiro público nessas empresas dobraram após a Operação Sentinela. Nenhuma
foi declarada inidônea pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
A Operação Navalha foi das mais ruidosas. Derrubou o então ministro de Minas e Energia,
Silas Rondeau, uma indicação do PMDB. Pois bem: em setembro de 2007, o Ministério
de Minas e Energia decidiu arquivar os processos administrativos disciplinares abertos contra
os funcionários Ivo Almeida Costa, assessor direto de Silas Rondeau, e José Ribamar
Lobato Santana, diretor do programa Luz para Todos na época do escândalo. Ivo Almeida
Costa foi acusado de intermediar propina de R$ 100 mil a Silas Rondeau, um suborno da
empreiteira Gautama. Ficou por isso mesmo.
Outro final patético foi o do esquema criminoso de venda de ambulâncias superfaturadas
para prefeituras, com recursos de emendas de parlamentares ao Orçamento da União. A
maracutaia, “investigada” pela CPI dos Sanguessugas, era coisa grande: envolvia 493 prefeituras
de todo o País e somou fraudes avaliadas em R$ 110 milhões. Em agosto de 2006,
a CPI aprovou relatório parcial, apontando a ligação de 69 deputados e três senadores com
a chamada máfia dos sanguessugas. Não foi além disso.
Em 21 de dezembro de 2006, o Conselho de Ética da Câmara encerrou os trabalhos
daquela legislatura sem punir qualquer deputado. Os senadores também se livraram. Eles
foram acusados de receber propina da empresa Planam em troca da apresentação de emendas
que destinavam recursos para municípios adquirirem ambulâncias superfaturadas.
Importante ressaltar que o relator da CPI foi o senador Amir Lando (PMDB-RO), exministro
do governo Lula. Ele não pediu indiciamento de ninguém, ao contrário do que
indicara seu relatório parcial. Livraram-se todos, pois: deputados, senadores, servidores
federais, funcionários municipais, prefeitos e empresários, com a exceção de cinco ex-chefes
de executivos municipais mato-grossenses e 26 servidores públicos. Eles foram denunciados
em novembro de 2008 pelo Ministério Público Federal de Mato Grosso.
O STF (Supremo Tribunal Federal), por sua vez, instaurou outro processo contra 11
suspeitos de envolvimento no escândalo do mensalão, em abril de 2007. Entre os denunciados
estavam José Genoino, ex-presidente nacional do PT, Delúbio Soares, ex-tesoureiro
do partido, o empresário Marcos Valério e a mulher dele, Renilda Santiago, e dirigentes de
bancos. Todos foram acusados por diversos crimes, como gestão fraudulenta e falsidade
ideológica. A ação fora aberta pela Justiça Federal de Minas Gerais e o STF a ratificou.
De acordo com o Ministério Público, o BMG concedeu empréstimos ao PT e a empresas
de Marcos Valério em troca de vantagens que deram lucros bilionários, decorrentes da autorização
para o BMG fazer a “operacionalização de empréstimos consignados de servidores
públicos, pensionistas e aposentados do INSS, a partir de 2003”. As operações de crédito
foram consideradas irregulares, pois “a situação econômico-financeira dos tomadores era
incompatível com o valor”, e também em razão das parcas garantias oferecidas pelo PT e
por Marcos Valério, apontadas como insuficientes.
Em agosto de 2008, a Receita Federal multou o PT em R$ 1,3 milhão, por conta da suposta
omissão de valores arrecadados pelo caixa do partido. As receitas não contabilizadas chegari405
am a R$ 2,4 milhões, dos quais R$ 1,4 milhão proveniente de contas de Marcos Valério. A
maior parte teria sido usada para pagar dívidas do partido, por intermédio da agência SMPB.
Agora, Antonio Palocci (PT-SP). O desmembramento das encrencas nas quais o exministro
se meteu, no primeiro mandato de Lula, merece comentários. Em 2006, ao ser
afastado do governo, Palocci era o principal auxiliar do presidente. Ele não resistiu à denúncia
de que mandara quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que
o acusara de frequentar uma casa em Brasília para se divertir com garotas de programa.
Mais grave, ainda: Palocci era acusado de ter recebido propina de R$ 50 mil mensais, na
época em que foi prefeito de Ribeirão Preto (SP). O contundente da história era que o autor
da denúncia, o advogado Rogério Tadeu Buratti, fora secretário de Governo de Palocci,
mantinha relações estreitas com o ex-ministro e havia sido vice-presidente da empreiteira
Leão Leão, justamente a empresa que teria bancado o mensalão de R$ 50 mil para o prefeito.
Em seu depoimento original, após ser preso em agosto de 2005, Rogério Buratti relatou
a seis promotores de Justiça e a um delegado de polícia que Palocci recebera propina durante
os anos de 2001 e 2002, até se desligar da administração municipal para assumir o cargo
de ministro da Fazenda de Lula. Pois bem: quase dois anos depois, em junho de 2007,
Buratti decidiu fazer uma nova declaração oficial, para se retratar das “insinuações e atribuições
feitas e da suspeita levantada em relação a Antonio Palocci”.
Ou seja, não era mais verdadeira a história da propina de R$ 50 mil. Na época do primeiro
depoimento, Buratti informara que os valores do mensalão estavam “vinculados ao contrato
de coleta e varrição aqui em Ribeirão Preto, pois se não houvesse esse contrato, em
tese não teria a contribuição”. O advogado aceitara contar o que sabia em troca do benefício
da delação premiada. A cooperação lhe devolveu a liberdade e garantiu que não fosse denunciado.
Quando foi preso, Buratti era acusado de lavagem de dinheiro e formação de
quadrilha. Caso fosse condenado, poderia ficar preso por 13 anos.
Para recordar, Buratti foi assessor do então deputado estadual José Dirceu (PT-SP), em
1987. Na primeira gestão do prefeito Palocci em Ribeirão Preto (1993-1996), ocupou o
cargo de secretário de Governo até ser afastado num caso de suspeita de corrupção. Em
1999 tornou-se vice-presidente da Leão Leão. A empreiteira foi a maior financiadora da
campanha de reeleição do prefeito Palocci em 2000. Mantinha diversos contratos com a
administração. Em troca de vantagens indevidas, daria propina. Buratti saiu da Leão Leão
em 2004, depois de envolvido no caso da rumorosa extorsão à multinacional Gtech. A empresa
norte-americana estava interessada em renovar um contrato com a Caixa Econômica
Federal. O banco oficial era subordinado ao ministro da Fazenda, à época Antonio Palocci.
Ao justificar o novo depoimento que inocentava Palocci, Buratti argumentou que no
anterior estava preocupado com a saúde da mãe. Por isso, “submeteu-se à vontade dos
representantes do Ministério Público e da polícia, concordando com suas exigências para
poder livrar-se das suas ameaças, que eram concretas, e daquela situação humilhante e
constrangedora”. Disse que, em 2005, ao depor à CPI dos Bingos, foi “tomado de pânico,
temendo nova prisão diante das câmeras de televisão que transmitiam o evento para todo o
País”. Bobagem: os dois amigos, aliados históricos, orientados por bons advogados, esfriaram
a cabeça e decidiram que o melhor era proteger Palocci.
O delegado de polícia seccional de Ribeirão Preto, Benedito Antonio Valencise, responsável
pelas investigações da chamada máfia do lixo na cidade, minimizou a importância do
novo depoimento de Buratti:
- Ele foi um caminho para as investigações, mas a chave de tudo foram as provas que nós
encontramos. Havia notas falsas na empresa, ordens de serviço falsas na Prefeitura que
eram usadas no esquema.
Em 26 de fevereiro de 2008, seis dias após ter feito a declaração acima, o delegado
Benedito Antonio Valencise foi afastado do cargo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública
de São Paulo, houve uma decisão administrativa. Mais de um ano depois de ter sido
aberta ação no STF para investigar o envolvimento de Palocci com a máfia do lixo, o processo
continuava parado em Brasília, sem a designação de um relator.
A suposta quadrilha chefiada por Palocci havia sido acusada de desviar R$ 30 milhões,
por meio do superfaturamento dos serviços prestados pela empreiteira Leão Leão. Conforme
o Ministério Público, a Leão Leão recebeu “quantia superior a três vezes o valor original
do contrato”. Para os promotores, a empreiteira “apresentava planilhas com valores de distância
superiores ao que realmente tinham sido varridos”. A ação citava casos de medição
de 44 a 50 quilômetros de varrição diária, “quando na realidade eram varridos aproximadamente
quatro quilômetros”.
Palocci também era acusado de introduzir alterações no sistema de compras de produtos
alimentícios em Ribeirão Preto, o que talvez beneficiasse determinadas empresas contratadas
pela Prefeitura. Nove contratos teriam provocado prejuízos de R$ 2,1 milhões ao município.
Uma das compras autorizadas por Palocci ficara famosa, por exigir um certo molho
de tomate peneirado, refogado com ervilhas. Os promotores entenderam a especificação
como forma de direcionar a contratação em benefício do fabricante Oderich, do Rio Grande
do Sul. Também favoreceria a Cathita, fornecedora exclusiva do produto, da mesma forma
que outras empresas ligadas a ela.
De acordo com o relatório do Ministério Público, “esquemas semelhantes ocorreram em
outras administrações municipais, sendo a maioria administrada por prefeitos filiados ao PT.
Apurou-se que vários artifícios foram utilizados para o favorecimento de tais empresas, que
quase sempre concorriam entre si, longe de qualquer ameaça de concorrência de outros fornecedores”.
Palocci conseguiu imunidade parlamentar ao ser eleito deputado federal em 2006.
Em relação ao caso Gtech, o Ministério Público Federal possuía indícios de que a renovação
do contrato entre a multinacional da área de informática e a Caixa Econômica Federal,
com vistas ao gerenciamento do sistema de loterias, envolveria pagamentos suspeitos no exterior.
A empresa norte-americana teria aberto canais de negociação para a sua recontratação em
2003. Mantivera contatos com Waldomiro Diniz, do grupo do então ministro da Casa Civil,
José Dirceu (PT-SP), e com Rogério Buratti, ligado a Antonio Palocci, no Ministério da Fazenda.
Ambos, Waldomiro Diniz e Buratti, foram acusados de exigir propina milionária. Em
junho de 2007, o Ministério Público ainda tentava rastrear o pagamento de uma comissão de
R$ 5,5 milhões. Investigava o ex-presidente da Caixa, Jorge Mattoso, também afastado por
conta da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa. Mattoso teria autorizado a
renovação do contrato com a Gtech por 25 meses, por R$ 650 milhões.
Somente em dezembro de 2009 Waldomiro Diniz sofreu condenação no caso Gtech. A
Justiça Federal de Brasília considerou o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares de José
Dirceu culpado por tráfico de influência ao “patrocinar interesses escusos e particulares”
em contrato de suposto interesse da Caixa. Ele teria se encontrado duas vezes num hotel
com dirigentes da multinacional, em reuniões das quais participaria “Carlinhos Cachoeira”,
o famoso empresário do jogo que filmara o próprio Waldomiro Diniz pedindo propina para
facilitar negócios com o Governo do Rio, em 2002. De acordo com a denúncia, Waldomiro
condicionara a parceria Caixa/Gtech à contratação de Buratti como consultor, por “valor
superior a R$ 10 milhões”.
Enfim, o episódio da violação do sigilo bancário de Francenildo Costa. O Ministério
Público Federal entendeu o crime como parte da estratégia de Palocci para tentar provar que
o caseiro recebera pagamento para acusá-lo. O ministro teria determinado a violação, cumprida
por Jorge Mattoso. Conforme a Procuradoria-Geral da República, os telefonemas entre
os envolvidos comprovariam a trama. Em fevereiro de 2008, Palocci, Mattoso e o assessor
de imprensa do ex-ministro, Marcelo Netto, foram denunciados ao STF.
Em outubro de 2008, a revista Piauí relatou que haveria oferta em dinheiro para
Francenildo Santos Costa inocentar Palocci. O ex-ministro precisava se livrar da acusação
para tentar a candidatura a governador de São Paulo, em 2010.
O advogado do caseiro,
Wlicio Chaveiro Nascimento, segundo a revista, fora procurado por um intermediário do
dono de um restaurante frequentado por dirigentes do PT. Francenildo Costa foi ouvido pela
revista. Palavras dele:
- Eles falaram em R$ 1 milhão, mais uma casa, para eu negar tudo. O Wlicio me disse
assim: “O conhecido falou em R$ 1 milhão de reais. O dinheiro é bom: você arranja a tua
vida e eu fico com a metade. Mas o dinheiro também é ruim: você vai ter que mentir e vai
correr perigo. No teu lugar, eu não aceitaria”.
O caseiro não aceitou.
Palocci, contudo, se deu bem. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de
Souza, acabou recomendando ao STF (Supremo Tribunal Federal), em 23 de abril de
2009, a rejeição e o arquivamento da denúncia de envolvimento do ex-prefeito com a
máfia do lixo de Ribeirão Preto. Segundo ele, não haveria provas para fundamentar a
denúncia criminal. O requerimento de Souza foi acatado pelo STF. Por outro lado, a Procuradoria-
Geral defendia a abertura de processo criminal
para julgar Palocci pela violação
do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. Quatro meses depois, porém,
por cinco votos a quatro, o STF decidiu que Palocci não deveria sequer responder pela
quebra do sigilo. Para o presidente do STF e relator do caso, ministro Gilmar Mendes,
não havia elementos suficientes para comprovar a participação do ex-ministro da Fazenda.
Dá para acreditar? Palocci escapou.
O senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-ministro da Previdência Social do presidente
Lula, deixou o cargo em 2005. Havia a acusação de que, com um sócio, oferecera propriedades
rurais fantasmas como garantia de um empréstimo no Basa (Banco da Amazônia)
para pôr em operação um abatedouro de aves em Boa Vista. O abatedouro não chegou a
funcionar e o empréstimo deixou de ser pago. Ficaram R$ 25 milhões de prejuízos. O caso
ficou conhecido como o escândalo do frangogate. Note-se que Romero Jucá manteve prestígio
junto ao presidente da República, tanto que, no segundo mandato de Lula, foi nomeado
líder do governo no Senado.
Em novembro de 2008, o STF arquivou o caso, por prescrição da pena. O STF não
chegou nem a analisar o mérito da ação. O pedido de prescrição foi feito pelo advogado do
senador. Da denúncia formulada pelo procurador-geral Antonio Fernando de Souza: “Os
denunciados obtiveram, em 27 de junho de 1996, mediante fraude, financiamento em instituição
financeira, uma vez que se utilizaram de imóveis inexistentes como garantia, a fim de
receberem a segunda parcela do empréstimo”. Romero Jucá também se saiu ileso no STF.
Vale registrar declaração do caseiro Francenildo Santos Costa ao repórter Rubens Valente,
publicada na Folha de S.Paulo de 8 de junho de 2009:
- Nós estamos no Brasil, e no Brasil hoje em dia acontece de tudo em termos de política.
O cara apronta, apronta, e ainda sai livre da acusação, é candidato, faz o que quer. Isso é a
política do Brasil.